01 de maio de 2024

Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Apiacás dirige ofício ao Diretor-Geral da Agência Nacional de Mineração

Ofício nº 001/2021/COOGAVAPI
Apiacás/MT, 17 de março de 2021.

Ao Ilmo. Sr.

VICTOR HUGO BICCA
Diretor-Geral da Agência Nacional de Mineração
Setor Bancário Norte Quadra 02 Bloco N
CEP: 70040-000 – Brasília – DF

 Ref.: processos de interesse da COOGAVAPI, indicados para disponibilidade em regime de PLG.

Senhor Diretor Geral.

A COOPERATIVA DOS GARIMPEIROS DO VALE DO APIACAS /MT – COOGAVAPI, através de sua representante legal e Presidente Sr. Leilson Balduino Feitosa, vem por meio deste expor e solicitar, nos termos que seguem.

A descoberta de ouro na região conhecida como garimpo do Novo Planeta se deu através de garimpeiros no ano de 1979, quando da abertura das primeiras pistas para pouso de pequenas aeronaves, uma vez que, à época, ainda não existia acesso por estrada.

Com o avanço dos projetos de colonização na região Amazônica, e já sabedores da ocorrência de ouro, a região garimpeira de Novo Planeta foi inserida como parte do projeto de criação da cidade de Apiacás, conduzida pela colonizadora INDECO S.A. (Integração, Desenvolvimento e Colonização), que também implantou as cidades de Paranaíta e Alta Floresta.

O ouro descoberto na região garimpeira de Novo Planeta tinha tudo para fomentar e alavancar o processo de colonização e trazer benefícios às populações de migrantes que ali chegaram, mas desde o princípio, o que se observou foi a disputa pela posse desses depósitos e conflitos de interesses pelo domínio do subsolo. Conflitos estes, que se arrastam há mais de 40 anos.

O início do conflito foi marcado por uma “transação” que resultou na concessão dos direitos minerários junto a ANM, para a empresa de Mineração Porto Estrela S/A, do grupo Paranapanema, tendo como sócio o Senhor Eike Batista, filho do Ministro das Minas e Energia, à época, ou seja, através de reconhecido tráfico de influência. Assim a mineradora Porto Estrela conseguiu em 1981, os direitos minerários de uma área 128 mil hectares, em cuja porção central se encontrava a vila Mutum, onde permanece até os dias de hoje, fragilizada, amedrontada e esquecida.

Na década de 1980, o governo federal criou quatro reservas garimpeiras na região norte do Mato Grosso (Peixoto, Zé Vermelho, Cabeça e Juruena), entretanto, as mesmas forças políticas que colonizaram, e ainda dominavam a região de Apiacás, impediram a criação de uma reserva garimpeira que pudesse abrigar a região garimpeira de Novo Planeta.

O Grupo Paranapanema começou a lavrar ouro no ano de 1983, quando produziu 222 kg do metal da mina Novo Planeta (Miranda 1997). Entretanto, como o alvo dessa exploração era os mesmos depósitos aluvionares objeto dos garimpeiros, o conflito foi se acirrando, com pistolagem e mortes de ambos os lados, até que no ano de 1987 as áreas da empresa foram invadidas pelos garimpeiros, obrigando a empresa a paralisar suas atividades, e na sequência, retirando-se da região.

Mesmo após a retirada da Paranapanema, o conflito se estendeu por anos, devido a propriedade do solo, onde se localiza a região garimpeira do Novo Planeta, ter sido apossada pelo senhor Euclides Dobri, que inseriu a vila do Mutum dentro dos limites de sua fazenda, sujeitando os moradores a controle e ao cerceamento de liberdade, ao inserir na entrada da cidade uma porteira com cadeado, vigiada e operada, por mais de uma década, por pistoleiros contratados. Essa situação de apropriação da vila e de opressão resultou em novos conflitos, que culminaram com a chacina ocorrida em 9 de fevereiro de 2001, que teve repercussão nacional. Fato este ocorrido, por absoluta omissão e inexistência de políticas públicas ajustadas a realidade da garimpagem.

Somente após essa chacina, o governo do Estado de Mato Grosso deu providencias para implantar um projeto de assentamento no local, através do INTERMAT, que entretanto, nunca foi efetivamente concluído com a entrega dos títulos das terras aos assentados.

O início da década de 1990 marcou um período de declínio da atividade garimpeira, motivado pela desvalorização acentuada no preço do ouro no mercado internacional, que atingiu o menor patamar histórico no ano de 2001 (U$ 260 / onça). Porém, em fins do ano de 2008, com o preço alçando a U$ 1.000 / onça, um novo ciclo extrativista recomeça com a retomada de antigas regiões de garimpagem.

Ciclo este, que persiste até os dias de hoje, e novamente como um reprise, a região garimpeira do Planeta se viu apropriada por outros grupos de especuladores. Antevendo o incremento do preço do ouro, em  2005 uma empresa de mineração júnior, de capital australiano (Cougar Mineração) requereu todo o subsolo das regiões garimpeiras de Novo Planeta e Satélite, mantendo esses direitos até o ano de 2012, quando, por não fazer pesquisa alguma, veio a perder, gradativamente, os alvarás concedidos pela ANM, que recobriam essas  citadas regiões gariméiras.

Infelizmente, mesmo com a queda desses alvarás da Cougar,  o lobby proliferou e prosperou, sendo as referidas regiões garimpeiras objeto de requerimentos e alvarás de pesquisa de empresas conhecidas como Juniors Companies, caso da Geomin Mineração, Electrum Capital Pesquisa de Recursos Minerais Ltda, Hera Mineração Ltda e Tório Mineração, Geomin, MGM, Alta Floresta Gold, Lago Dourado Mineração, Altamira Gold, Crusader Mineração, Meteoric, e outras menos conhecidos.

Enfim, essas Juniors Companies, e/ou seus controladores e prepostos, apossaram praticamente de todo subsolo das regiões garimpeiras de Novo Planeta, Satélite, Juruena, Novo Astro, Pistinha, Porcão, Casa Branca, Ximari, etc., situação esta, que se perpetua até os dias de hoje.

Em comum, essas empresas citadas tem: i) controle por um pequeno grupo de pessoas (usualmente tendo como procurador um lobista); ii) capta recursos em bolsas do Canadá e Austrália, iii) Modus operandi, certamente de conhecimento da ANM, ou seja, especulação; iv) o fato de em mais de 40 anos de operação nunca terem produzido um grama de ouro; e v) apesar de requererem o subsolo para o regime de pesquisa, são raros os relatórios finais aprovados, e os “aprovados”, certamente não resistem a uma auditoria honesta para certificação da reserva aprovada pela ANM.

Cientes dessa situação vexatória, para Mato Grosso, e para o Brasil, a sociedade organizada resolveu se mobilizar criando uma Cooperativa que efetivamente viesse representar os garimpeiros que trabalham no município de Apiacás. Cooperativa esta, que pretende fazer o enfrentamento dessa situação exposta, buscando resgatar os direitos adquiridos dos garimpeiros, conforme estabelece o art. 174 da CF, a seguir transcrito.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

(…)

  • 3º – O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
  • 4º – As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.

Importante destacar no contexto considerado, que é obrigação desta ANM dar cumprimento ao parágrafo 4º, do art. 174, do referido dispositivo constitucional, pois ele é auto aplicativo e incisivo ao estabelecer que os garimpeiros, organizados em cooperativas, terão prioridade para trabalhar nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.

Ou seja, nas áreas onde atuam há décadas, e onde deveriam ser respeitados e terem seus direitos constitucionais resguardados, e nas “reservas garimpeiras” que o governo federal deveria criar, por ser de competência privativa da União, nos termos do art. 21, XXV, da CF, acima transcrito.

Relevante realçar, ainda, que o texto constitucional é enfático, ao colocar o fato no termo presente, “nas áreas onde estejam atuando”, ou seja, em uma conotação gramatical que remete a uma ação em curso. Sendo patente a determinação do legislador de dar prioridade a autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis aos garimpeiros, naturalmente e consequentemente, abrigados dentro do regime de PLG, instituído pela Lei 7.805/1989

A proposta da COOGAVAPI é implementar um projeto de produção coletivo, capitaneado por uma cooperativa de garimpeiros, legitima, transparente, e que terá um viés ambiental relevante, a ser devidamente apresentado, oportunamente aos órgãos competentes, como um modelo de mineração de cunho social, e que em sua essência, busque a melhoria de vida dos garimpeiros da vila Mutum.

Diante do exposto, onde se configura uma recorrente e notória supressão de direitos constitucionais, solicitamos em caráter de urgência, que os processos relacionados a seguir (Anexo I e II), sejam considerados nulos de ofício, indeferidos, e colocados em Edital de Disponibilidade, para o regime Permissão de Lavra Garimpeira – PLG. Entretanto, cumpre destacar, que estas regiões garimpeiras pelo seu histórico de violação de direitos e garantias constitucionais deveria ser objeto de um ato administrativo por parte desta ANM criando uma reserva garimpeira.

Certos de contarmos com vosso entendimento, aguardamos deferimento deste.

Atenciosamente,

COOPERATIVA DOS GARIMPEIROS DO VALE DO APIACAS – COOGAVAPI
Leilson Balduino Feitosa – Presidente

Apoio na divulgação: Jornal O Porto Cachoeira Rasteira (25/03/2021).

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