15 de outubro de 2024

Gestão compartilhada é apontada como solução em audiência

 

Em audiência pública realizada nesta quinta-feira (05) para debater o abandono do Centro Histórico de Cuiabá, o promotor de Justiça Carlos Eduardo Silva frisou que o Ministério Público do Estado de Mato Grosso não é o órgão que dará solução ao problema, mas garantiu que está acompanhando a situação. “Em nome da sociedade, vamos cobrar ações naquela região, acionar os órgãos que têm que fazer esse trabalho de planejamento e de ações preventivas no centro histórico. Já existe um inquérito em andamento e, com as contribuições da audiência pública de hoje, vamos estabelecer estratégias futuras. O problema do centro histórico não é só do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), é também responsabilidade do poder público municipal, que deve zelar pela política urbana”.

A audiência pública foi promovida pela 29ª Promotoria de Justiça de Defesa Ambiental e da Ordem Urbanística, no auditório da sede da Promotorias de Justiça da Capital. O evento foi realizado com objetivo de discutir com o poder público, a sociedade e demais interessados possibilidades para reverter a situação de abandono do conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico que formam o Centro Histórico, bem como de tornar a região sustentável, atrativa e integrada à dinâmica da cidade.

Fomos comunicados de desabamentos recentes ocorridos em alguns prédios no centro histórico, de edificações importantes e de referência para a identidade cultural de Cuiabá. Diante disso, pedimos ao Iphan que fizesse um levantamento das construções existentes e, a partir daí, obtivemos um quadro bem desolador: a existência de inúmeras construções com riscos iminentes de desabamento”, contou o promotor de Justiça Carlos Eduardo Silva. Conforme relatório parcial do instituto, atualmente, 98 imóveis localizados no Centro Histórico de Cuiabá estão abandonados, sendo que 43 apresentam risco de cair. Os outros 55 ainda não foram vistoriados.

Para o promotor, esse é apenas um sintoma de um problema que é muito maior, a falta de qualquer planejamento para a região. “Então é necessário que discutamos com todas as pessoas que possam colaborar, sejam moradores, entidades, academia e órgãos públicos, formas de atuação naquela região a curto, médio e longo prazo. O que a gente não pode trabalhar é somente na perspectiva do imóvel em si, como se a reforma ou recuperação de uma edificação resolvesse a questão. Longe disso. Temos que trabalhar medidas globais, de planejamento, para resolução do problema”, argumentou.

Participante da audiência, o promotor de Justiça da 17ª Promotoria de Defesa Ambiental, da Ordem Urbanística e do Patrimônio Cultural, Gerson Natalício Barbosa, disse esperar medidas concretas de interesse público para solucionar o grande problema do Centro Histórico. “A ideia não é fecharmos o local e sim utilizá-lo de maneira sustentável em, prol da coletividade. Hoje, ele está sendo tão somente aproveitado pelos moradores de rua. Existem várias ideias, precisamos debater e verificar o que é viável”, salientou, reforçando que o Município deve cumprir o que determina a Constituição Federal com relação à ocupação do solo urbano e à proteção do patrimônio histórico-cultural local.

O secretário municipal de Cultura, Esporte e Turismo, Francisco Vuolo, informou que o Poder Executivo está traçando diretrizes para a região, realizando ações pontuais em parceria com o Iphan e tomando medidas na área de infraestrutura como recapeamento das ruas e recuperação de casarões e praças. “Vamos além, estamos deliberando um plano de gestão efetivo para o Centro Histórico, uma vez que não podemos pensar somente no hoje ou amanhã. As diretrizes têm que ser tratadas para os próximos 30, 50 anos. Além disso, não deve ser pensado apenas no aspecto patrimonial, temos que pensar no aspecto social, econômico e em toda estrutura para que possamos dar vida ao local e sustentabilidade”, considerou.

Na visão da superintendente do Iphan, Amélia Hirata, a iniciativa do Ministério Público é louvável e a expectativa é muito positiva com a realização da audiência, oportunidade de ouvir os atores envolvidos nesse processo, principalmente na preservação do patrimônio cultural. “A expectativa é que a partir dessa discussão, que eu entendo ser bastante construtiva, a gente consiga pensar junto com os entes possibilidades para a gente agir de uma maneira muito mais positiva e efetiva na conservação e preservação desse centro”, afirmou.

Conforme a arquiteta, é preciso haver uma gestão compartilhada. “Sozinho, o Iphan não consegue preservar e conservar, assim como o Estado e o Município também não. A partir do momento em que tivermos cada um dos entes agindo naquilo que de fato é sua competência institucional, podemos pensar no sentido de trabalhar juntos para desconstruir talvez essa ideia que muitos têm de quem não se pode fazer nada no centro histórico”, ponderou.

Representando um grupo de proprietários de imóveis no Centro Histórico, Renato Calhao veio de São Paulo para participar do evento. “Acreditamos ser a oportunidade perfeita para debatermos e falarmos sobre a sustentabilidade, sobre o que precisa ser feito. Não adianta recuperarmos sem dar ocupação, se não tiver vontade política de transformar aquilo no orgulho da nossa cuiabania. O que vemos hoje são grandes lançamentos, novidades, e a origem da nossa cidade absolutamente abandonada. É descabido termos réplicas dos casarios de Cuiabá em madeirite na beira do rio, comemorarmos os 300 anos da cidade no shopping e não olharmos para o Centro Histórico”, destacou.

Priorização – De acordo com o promotor Carlos Eduardo Silva, é preciso voltar os olhos para a região que é o coração de Cuiabá e dar uma destinação, uma função social a essas edificações. “Não adianta abrirmos frentes de expansão da cidade para outras regiões e nos esquecermos do Centro Histórico. O poder público vai ter que induzir atividades ali, o centro histórico vai ter que se integrar à dinâmica da cidade”, ressaltou. Para ele, será necessário estabelecer iniciativas e estratégias relacionadas a cada situação existente, como imóveis deliberadamente abandonados pelos proprietários ou em situação de esquecimento em razão de inventário, e até mesmo para os casos daqueles que cuidam, zelam e restauram.

Intervenções – “Na realidade, o tombamento não congela a cidade. É possível realizar vários tipos de intervenção desde que se mantenha aquilo que foi valorizado nesse processo de tombamento como, por exemplo, o sistema construtivo, o arruamento, a implantação do imóvel no lote. Ou seja, existem alguns quesitos que não podem ser perdidos durante essa intervenção. Basta que o profissional contratado pra elaborar o projeto atenda à normativa”, elucidou a superintendente do Iphan, lembrando que a legislação que é da década de 90 está em processo de revisão.

Punibilidade – O promotor de Justiça Carlos Eduardo Silva advertiu que existem instrumentos legais para punição dos proprietários de imóveis abandonados, como a desapropriação e o instituto do abandono. “Se você abadona um imóvel, não paga tributo, não cuida e não dá a manutenção devida, especialmente em se tratando de imóvel tombado, é dever do poder público promover a arrecadação desse bem pelo instituto do abandono. Em outro caso, se o dono deve muito Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), se não dá função social ao imóvel, ele pode ser entregue como pagamento de tributo à Prefeitura. Ou seja, existem várias possibilidades”, esclareceu.

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